Arquivamento de inquérito policial

Continuando com a série de exemplos de atuação prática do Ministério Público, transcrevo abaixo uma promoção de arquivamento de inquérito policial com base no princípio da insignificância. Segue o texto:

AUTOS DE INQUÉRITO POLICIAL n. XXXXX.2009
16ª Delegacia Regional de Polícia – Altônia-PR
INDICIADO: FULANO DE TAL

PROMOÇÃO DE ARQUIVAMENTO
PELO MINISTÉRIO PÚBLICO

SÚMULA: RECEPTAÇÃO SIMPLES DE PERFUME DE PEQUENO VALOR. BEM RECUPERADO PELA VÍTIMA POUCOS DIAS DEPOIS. LESÃO INEXPRESSIVA AO BEM JURÍDICO TUTELADO. BAIXO DESVALOR DA CONDUTA E DO RESULTADO. INSIGNIFICÂNCIA. ATIPICIDADE. ARQUIVAMENTO.

Meritíssimo Juiz:

01. RELATÓRIO SINTÉTICO DO FEITO

Trata-se de inquérito policial destinado à apuração de crime de receptação de perfume, avaliado em R$ 45,00 (quarenta e cinco reais).

Consta da peça inquisitorial que foi encontrado com o denunciado o frasco de perfume aludido, o qual disse ter adquirido de indivíduo conhecido como “BELTRANO”.

Também, deve-se dizer que o indiciado foi preso em flagrante pelo delito em tela.

É, em suma, o relatório.

02. FUNDAMENTAÇÃO

A prova testemunhal colhida neste inquérito demonstra haver prova da materialidade e indícios suficientes de que o indiciado praticou o delito de receptação simples do perfume.

Nota-se que inexistiu ato de violência ou grave ameaça por parte do indiciado.

Ainda, o perfume restou recuperado poucos dias depois do fato pela polícia e devolvido à vítima (fls. 12/14), não remanescendo quaisquer prejuízos à mesma.

Outrossim, o perfume foi avaliado em R$ 45,00, que se revela irrisório se considerada a existência de oferta no mercado de perfumes e outros bens de uso pessoal muito mais valiosos, passíveis de aquisição através de condições boas e inúmeras facilidades de crédito.

Em decorrência de tudo isso, incide na espécie o princípio da insignificância. Ora, claramente não existiu lesão penalmente relevante ao bem jurídico tutelado (patrimônio), restando, por conseguinte, afastada a tipicidade da conduta ora analisada.

Nessa esteira, vejam-se os julgados do Egrégio Supremo Tribunal Federal a seguir transcritos:

HABEAS CORPUS. PENAL. FURTO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. REPARAÇÃO DO DANO. ATENUAÇÃO DA PENA. APLICAÇÃO, POR ANALOGIA, DO DISPOSTO NO ART. 34 DA LEI N. 9.249/95, VISANDO À EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE EM RELAÇÃO AOS CRIMES DESCRITOS NA LEI N. 8.137/90. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. 1. A aplicação do princípio da insignificância há de ser criteriosa, cautelosa e casuística. Devem estar presentes em cada caso, cumulativamente, requisitos de ordem objetiva: ofensividade mínima da conduta do agente, ausência de periculosidade social da ação, reduzido grau de reprovabilidade do comportamento do agente e inexpressividade da lesão ao bem juridicamente tutelado. Hipótese em que a impetrante se limita a argumentar tão-somente com o valor do bem subtraído, sem demonstrar a presença dos demais requisitos. 2. A reparação do dano após a consumação do crime, ainda que antes do recebimento da denúncia, confere ao paciente somente a atenuação da pena; não a extinção da punibilidade. 3. A pretensão de que seja aplicado, por analogia, o disposto no art. 34 da Lei n. 9.249/95, visando à extinção da punibilidade em relação aos crimes descritos na Lei n. 8.137/90, não pode ser conhecida, porque não examinada pelo Superior Tribunal de Justiça. Habeas corpus conhecido, em parte, e denegada a ordem nessa extensão.
(HC 92.743/RS, Relator Min. EROS GRAU, Julgamento: 19/08/2008, Órgão Julgador: Segunda Turma do STF, unânime)

HABEAS CORPUS. PENAL. FURTO. TENTATIVA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICABILIDADE. OCULTA COMPENSATIO. 1. O princípio da insignificância deve ser aplicado de forma criteriosa e casuística. 2. Princípio que se presta a beneficiar as classes subalternas, conduzindo à atipicidade da conduta de quem comete delito movido por razões análogas às que toma São Tomás de Aquino, na Suma Teológica, para justificar a oculta compensatio. A conduta do paciente não excede esse modelo. 3. O paciente tentou subtrair de um supermercado mercadorias de valores inexpressivos. O direito penal não deve se ocupar de condutas que não causem lesão significativa a bens jurídicos relevantes ou prejuízos importantes ao titular do bem tutelado ou à integridade da ordem social. Ordem deferida.
(HC 92.744/RS, Relator Min. EROS GRAU, Julgamento: 13/05/2008, Órgão Julgador: Segunda Turma do STF, unânime)

Como se vê nos autos, estão presentes todos os requisitos elencados pela Excelsa Corte para se considerar este caso penal como abrangido pelo princípio da insignificância. A conduta do agente não gerou ofensa relevante, pois a vítima recuperou o bem poucos dias depois, não tendo o crime gerado ameaça, violência ou dano a patrimônio (ofensividade mínima da conduta do agente). A ação do agente não gerou perigo para a sociedade, pois ele apenas receptou o bem e não causou danos sociais de qualquer monta (ausência de periculosidade social da ação). A conduta do agente tem grau de reprovação baixo na medida em que ele estava desempregado e não podia, por óbvio, comprar bens pessoais, tendo pago R$ 5,00 (cinco reais) pelo perfume (reduzido grau de reprovabilidade do comportamento do agente). E, como visto, a lesão ao bem jurídico patrimônio foi praticamente inexistente, pois a vítima ficou apenas alguns dias sem a posse do objeto, já que a polícia o recuperou (inexpressividade da lesão ao bem juridicamente tutelado). Em outras palavras, pode-se dizer que o desvalor da conduta e do resultado revelam-se irrelevantes no caso.

Destarte, repisando-se, a conduta praticada pelo indiciado revela-se penalmente atípica.

03. PRONUNCIAMENTO MINISTERIAL

Ante o exposto, o MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ PROMOVE o ARQUIVAMENTO deste inquérito policial, observado o art. 28 do Código de Processo Penal.

Nesses termos,
pede deferimento.

Altônia, 23 de abril de 2010.

JOÃO CONRADO BLUM JÚNIOR
Promotor de Justiça

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